sábado, 8 de setembro de 2012

O direito à literatura

Comecei a estudar pra prova de Estudos Literários. Sim, minha universidade ainda está em greve. Mas como preciso fazer 2ª chamada e a professora já avisou que farei a prova no primeiro dia de volta às aulas, achei prudente começar a estudar, uma vez que há perspectiva de volta dentro de duas semanas.

Reli um texto que foi discutido em aula e se chama "O direito à literatura", do Antônio Cândido. A princípio, não gostava muito dele (o autor). Foi a má sorte da primeira vez que li algo dele, ler um texto em que ele criticava o Drummond. Porém, o texto que li hoje - muito engraçado, aliás, ambos os textos estão no mesmo livro, chamado Vários escritos - me agradou bastante. Embora tenha lido ele há alguns meses atrás, na época em que foi discutido em aula, hoje consegui ter outra visão do que ele quis dizer.

Cândido fala sobre bens compressíveis e incompressíveis. "Certos bens são obviamente incompressíveis, como o alimento, a casa, a roupa. Outros são compressíveis, como os cosméticos, os enfeites, as roupas  supérfluas. Mas a fronteira entre ambos é muitas vezes difícil de  fixar, mesmo quando pensamos nos que  são considerados indispensáveis." E pergunta, então: a literatura é um bem incompressível? Ao longo do texto ele vai usando vários argumentos e exemplos, e mostra que sim, a literatura é um bem a que todos deveriam ter acesso. "Ora,  se  ninguém  pode  passar  vinte  e  quatro  horas  sem  mergulhar no universo  da  ficção  e  da  poesia,  a  literatura  concebida  no sentido amplo a  que  me referi  parece  corresponder  a uma necessidade  universal,  que  precisa  ser  satisfeita  e  cuja  satisfação  constitui  um direito."

Concordo muito com ele. Acredito que todas as pessoas deveriam ter acesso a literatura. Entendo aqui como literatura, a arte em forma de histórias, se manifeste ela em linguagem escrita ou não. Quando vejo meus alunos que muitas vezes não tiveram acesso sequer a um gibi, vejo a importância do que realizamos em nossas oficina. Incentivar a leitura? Sim. Mas não só isso: mostrar a eles coisas que, a nós, parece óbvio, mas que para eles não é: onde eles podem pegar livros emprestados, onde podem fazer leituras na internet, dar subsídios para que eles consigam se tornar leitores. Porque de nada adiantaria dizer as inúmeras vantagens que a leitura proporciona se não mostrarmos como eles podem ter acesso a isso.

Ainda que nosso trabalho não se volte para a ficção, sei que de alguma forma, há um incentivo em relação a isso. Talvez por eu mesma ser uma apaixonada por literatura e ficção, de certa forma, entre uma fala e outra, exerço alguma influência perante a isso, e isso é ótimo! Mesmo que nossa proposta não seja trabalhar com literatura, e sim produzir um telejornal, se por um acaso eu souber que meus alunos estão tendo acesso a livros literários, livros ficcionais, em decorrência da oficina, serei uma pessoa mais feliz.

O que me leva a pensar em outro ponto, que Cândido não aborda no texto: a autoria. Mais do que consumidores de histórias (histórias reais, no caso da Oficina de Telejornal), estamos incentivando que nossos alunos sejam produtores de histórias. Porque quem lê, lê algo que alguém produziu. Nesse sentido, a importância de escrever, de se expressar, de produzir sua história, é inegável.

Tive sentimentos diversos com esse texto. Literatura, leitura, escrita, textos, livros e tudo mais, fazem parte da minha vida desde sempre. Faz parte de quem eu sou. Tenho uma relação muito intensa com tudo isso, não consigo ficar muito tempo sem ler, tampouco sem escrever. Sinto como se faltasse alguma coisa em mim. Então, para mim é terrível pensar que existem pessoas que nunca experimentaram a sensação de não ver o tempo passar enquanto lê um livro, de não conseguir parar de ler porque precisa saber o que vai acontecer na próxima página. Nunca se identificaram com uma personagem, nunca choraram ao terminar um livro ou uma série de livros... Eu acho que isso é uma das coisas mais tristes que existem. Muito mais triste do que saber que alguém nunca viajou ou nunca teve dinheiro para, sei lá, comprar uma roupa bonita e ir jantar em um restaurante.

Sem dúvidas, para mim, literatura é um bem incompressível.

Trechos interessantes do texto:

"Assim  como  todos  sonham  todas  as  noites,  ninguém  é  capaz  de  passar  as  vinte  e  quatro  horas  do dia  sem  alguns  momentos  de  entrega ao  universo  fabulado.  O sonho  assegura  durante  o sono  a  presença indispensável deste  universo,  independentemente da  nossa  vontade. E  durante  a  vigília  a  criação  ficcional  ou poética,  que  é  a  mola da  literatura  em todos os seus  níveis  e modalidades,  está  presente  em cada  um de  nós,  analfabeto  ou erudito,  como  anedota,  causo,  história em quadrinhos,

noticiário policial,  canção  popular, moda de  viola, samba carnavalesco."


"Quer percebamos claramente  ou  não,  o  caráter  de coisa  organizada  da obra literária torna-se  um  fator  que nos deixa mais capazes  de ordenar  a nossa própria  mente e  sentimentos;  e,  em conseqüência,  mais  capazes  de organizar  a  visão  que  temos  do mundo."


"A literatura corresponde  a  uma necessidade  universal  que  deve  ser  satisfeita  sob pena  de  mutilar a  personalidade,  porque  pelo  fato  de  dar  forma aos sentimentos  e  à  visão  do mundo ela  nos  organiza,  nos  liberta  do caos e  portanto nos  humaniza.  Negar  a fruição  da literatura  é  mutilar  a nossa  humanidade."



Mariane



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